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outubro 22, 2006

Ainda os bifes

Podia ficar ela entrada anterior, mas um bife merece mais. Vou dar as receitas que considero genuínas dos nossos bifes emblemáticos. Acrescento, a pedido da Perenelle, a do bife regional de S. Miguel.

Bife à Marrare

Transcrição da receita recolhida por Olleboma (“Culinária Portuguesa”, edição do autor, sem data – anos trinta?):
“Para 1 pessoa: 1 fatia de carne de 150 g de pojadouro ou alcatra que tenha estado no frigorífico durante 5 a 6 dias, ou uma fatia de lombo que poderá estar o mesmo tempo no frigorífico mas que se for de rês nova não precisa de mais de 1 a 2 dias; 50 g de manteiga fresca; 0,5 g de sal; 1 decigrama de pimenta moída; meia dúzia de gotas de sumo de limão; algumas colheres de leite.

Esta preparação é bem simples de executar, estando o segredo do bom resultado que se pretende numa acção mecânica e no emprego dos melhores produtos.

Toma-se uma frigideira pequena de cabo onde caiba bem a fatia de carne que deve estar bem limpa de peles e gorduras e bem batida, põe-se ao lume a frigideira e quando bem quente deita-se nela 10 g de manteiga; em esta estando a ferver, junta-se o alho e a carne que se deixa corar, virando-se do outro lado por outro tanto tempo, tira-se a seguir a frigideira do lume e a carne que se põe na estufa. Deita-se na frigideira o sal e a pimenta, levando-se novamente ao lume, que deve estar bem forte, juntando-lhe o resto da manteiga, aos bocados e algumas colheres de leite mexendo-se a frigideira pelo cabo de trás para diante e de diante para trás sem parar. O molho vai-se ligando e engrossando. Estando em boa consistência, junta-se 5 a 6 gotas de limão, voltam os bifes para aquecer, deitando-se no prato de serviço, que deve estar bastante quente. Este bife é muito apreciado por ter bastante molho saboroso e sobretudo se a carne for tenra. Se a carne tiver pouco sangue pode juntar-se quando se deita a manteiga uma colher pequena de farinha de trigo crua ou levemente torrada no forno.
Esta excelente receita merece-me alguns comentários. Em primeiro lugar, esqueça-se o último período. Acho que, se a carne não for da melhor qualidade, não vale a pena fazer um bife à Marrare. Apesar de Olleboma indicar vários tipos de carne, só faço este bife com boa carne de lombo, até porque só o preparo de vez em quando, por razões de saúde e não quero desperdiçá-lo. Parece-me depreender-se da receita que a fritura do bife é sempre a lume muito forte. Não o faço, para não queimar a manteiga, o que sabemos hoje ser um veneno. Começo durante um minuto a lume forte, alourando bem a carne de um lado e outro, mas depois baixo o lume para médio-alto e não deixo queimar a manteiga. Mesmo assim, rejeito-a e junto manteiga fresca, embora com todo o cuidado para não irem os sucos com a primeira manteiga. Uso só pimenta preta, moída grosso e exagero um pouco no limão em relação à receita. Olleboma esqueceu-se de indicar a quantidade de alho; não uso mais do que meio dente esmagado e picado às lascas finas por pessoa. Finalmente, a minha principal modificação é que, em vez de leite, uso nata misturada com igual quantidade de leite.

Bife à Jansen

Está completamente esquecido, o célebre bife da cervejaria Jansen, no meu tempo situada no Calvário. Gosto muito dele mas tenho de o fazer em casa. Há muitos anos que não o fazia. Para escrever isto, lá fui à minha base de dados. Desilusão, não está lá. Pior, também não o encontro nas minhas caixas de fichas. Recorro ao Google e nada. Não posso ter perdido a receita, mas já sei que me vai custar muitas horas de rearrumação de fichas. Publico depois, mas fico desde já muito grato a quem me fornecer a receita genuína.

Bife à café

Toda a gente sabe, é hoje, em muitos restaurantes de terceira, um bife com molho de café moído, coisa horrorosa! Triste ignorância, não sabem que o nome vem de ser o bife típico dos velhos cafés de Lisboa, com expoente na minha geração para o Império e, ainda hoje, com pálidos reflexos no velho bife da Portugália. Devo admitir que não é grande coisa, este da Portugália, farinhento e com mostarda de má qualidade, mas tem para mim o sabor especial da evocação da memória juvenil, quando não era muito exigente e tinha de fazer contas à bolsa.

Frita-se em manteiga o bife, com alho às fatias finas. Depois de alourado de um lado e outro, tempera-se com sal e pimenta. Retira-se a manteiga de fritar e junta-se mais manteiga fresca e três colheres de sopa de leite em que se dilui uma colher de café de maizena ou fécula de batata. Deixa-se ligar mexendo sempre e acrescenta-se sumo de limão e uma colher de café de mostarda.

Bife regional de S. Miguel (a pedido da Perenelle)
4 bifes de lombo ou do acém, manteiga q. b., 4 dentes de alho, 1 cs de massa de malagueta, 1 folha de louro, vinho branco q. b., sal e pimenta preta.
Esmagar muito bem os alhos descascados com a massa de malagueta e barrar os bifes. Deixá-los a temperar 30-60 minutos. Derreter a manteiga a cobrir o fundo da frigideira e juntar a folha de louro. Fritar os bifes a lume não muito forte, virando-os e temperando com sal e pimenta. Quando fritos a gosto (mas de preferência meio passados), levantar com um pouco de vinho branco os sucos presos à frigideira, deixar apurar e servir com batatas fritas e, se se quiser, com um ovo estrelado. Tipicamente, este bife é preparado em frigideira de barro individual e nela é servido. E fica aqui a receita como homenagem ao meu pai, que fazia eximiamente este bife, embora não soubesse mais nada de cozinha.

Nota - já que falei da Perenelle, conto que, em sua honra, inventei um bife de evocação baiana, que parece ter agradado.

1 Comentários:

Anonymous Anónimo escreveu...

Já recorri à receita do Bife à Marrare aqui apresentada mais do que uma vez e sempre com muito bom resultado. Muito obrigado pela partilha!

27/1/07 22:03  

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