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março 26, 2006

"Catering"

Já lá vai o tempo em que, mesmo na classe económica, os passageiros de avião eram tratados com conforto e qualidade. A refeição era um exemplo. Hoje, nos "low cost", até temos de levar a nossa sandes.

Durante alguns anos, fiz várias viagens de longo curso, em executiva. Hoje limito-me a voos curtos. Compreendo que as condições são diferentes, até por presumir que os aviões mais pequenos não disponham das mesmas condições de fornecimento de refeições que os de longo curso. Mesmo assim, há muito que pode ser feito e a prova é a diferença de serviço de companhias diferentes operando as mesmas rotas, até em "code sharing", como a TAP e a SATA para as ilhas.

Quando lá vou, com muita frequência, interrogo-me sempre sobre qual a companhia que me calhará em sorte. Na TAP, as refeições são concebidas e confeccionadas pela empresa de Vítor Sobral. Claro que são refeições de "estilo internacional", mas com qualidade e com um evidente toque português. À SATA não sei quem as fornece, mas a diferença é abissal: pratos sem graça, mal confeccionados, ingredientes de frequente má qualidade, carne rija, peixe mal congelado. Já agora, um pequeno pormenor: o toalhete quente de pano, na TAP, é um vulgar toalhete de papel ensacado, na SATA. É economia que valha a pena à companhia?

Mas o "catering" não se fica pelos aviões. Muitos leitores participam com frequência em congressos e refeições em que é encomendado um almoço. Já não suporto o bacalhau com natas ou o bacalhau espiritual e o arroz de pato, ainda por cima geralmente muito mal feitos. Não reina a imaginação e o gosto pela qualidade nas nossas empresas de "catering".

PS, 13:07 - Acabo de ler no jornal afirmações do presidente da TAP segundo as quais um factor crítico de competitividade é a da alta utilização em voo dos aviões e a demora mínima entre voos, com prejuízo do abastecimento em terra aos aviões. Por isto, acabaram-se os jornais e a refeição, em económica, é só uma sandes e um sumo. O que é curioso é não terem acabado com as vendas a bordo.

PS, 15:30 – A crónica de ontem, no Expresso, de José Quitério, que costumo ler com agrado, refere-se ao restaurante de um hotel de alta classe na Lousã. A ementa é curta mas interessante, embora parecendo não corresponder a nada de sublime na confecção, segundo a crítica. Agora o que ninguém me convence é a comer "lombo de robalo sobre couve avinagrada e morcela de arroz"! Haja bom senso e bom gosto. Morcela e couve avinagrada, até provavelmente muito bem em conjunto. Mas o que faz o lombo de robalo nesta mistura?

março 12, 2006

Vinha de alhos

Ou melhor, com mais sabor antigo, "vinha d'alhos".

Muitas das minhas receitas prescrevem uma marinada da carne, de um dia para o outro, em vinha de alhos. É um hábito que me ficou da cozinha familiar, mas já em algum desuso entre nós. A minha vinha de alhos, de inspiração açoriana, é a seguinte, para cerca de 1-1,3 kg de carne: dois copos de vinho branco, meio copo de vinagre, uma cebola grande aos gomos, quatro a seis dentes de alho inteiros bem pisados, com casca, 1 c. sobremesa de massa de pimentão ou colorau, uma folha de louro, um ramo de salsa, sal, pimenta preta em grão, pimenta da Jamaica e tomilho. Se tiver, junte uma cs de massa de malagueta; se não, uma c. café de pimenta da Caiena. Às vezes, conforme os pratos, também junto um pouco de cominhos e erva doce. Outras, conforme a inspiração, também alecrim, estragão ou segurelha, do meu jardim.

Com alguns pratos, cubro completamente a carne com marinada, acrescentando água. Outras vezes, deixo apenas a quantidade de líquido que indiquei, misturando bem a carne com a marinada, de horas a horas, o que concentra o sabor. Não há regra para isto, é conforme a disposição e o que me vem à cabeça.

E claro que esta vinha de alhos é elemento essencial para o molho do cozinhado, em quantidades adequadas a cada tipo de prato: pouco num assado, metade num estufado, praticamente tudo num guisado.

março 05, 2006

Queijo e Porto

Há dias, no Alentejo, folheando uma revista regional, dei por esta declaração de Manuel Fialho, que subscrevo inteiramente: "Uma nova ressalva para os equívocos de alguns dos hábitos contemporâneos: o queijo como antepasto não convence, nada como integrá-lo na tradicional ordem dos alimentos (a seguir ao prato principal e antes do doce), para melhor ser apreciado". Também eu não vou nada no pratinho de queijo incluído no "couvert".

De facto, o queijo anda muito desleixado nos nossos restaurantes, mesmo nos melhores. Não admira, porque o português continental, habituado apenas a alguns queijos de ovelha, não tem uma verdadeira tradição de queijo. Diferente é o meu caso, o de um açoriano. Não me lembro de um almoço em casa dos meus pais em que não houvesse queijo, antes da fruta. Claro que os queijos eram só açorianos, porque os estrangeiros lá não chegavam.

Isto obriga-me a começar por falar do S. Jorge, aqui também conhecido como queijo da Ilha. Muitos continentais, habituados à maior suavidade do Serra, acham-no picante, agreste e mesmo ordinário. Não é verdade. Tenho-o dado a provar a amigos estrangeiros apreciadores de queijo, que ficam maravilhados. A sua qualidade depende de um processo secular de cura, hoje padronizado e melhorado, mas, sobretudo, à qualidade do pasto natural e do leite.

Infelizmente, está a exportar-se para o continente muito mau queijo de S. Jorge. Quem se quiser proteger compre ao menos o do Topo, normalmente chegado cá com melhor qualidade. E faça como eu, não compre o embalado; peça para provar antes de comprar.

Os queijos açorianos não se ficam pelo S. Jorge. O do Pico, também de vaca mas diferente, vale bem a pena mas só há dias o vi à venda cá. Pela primeira vez. Não gosto de fazer publicidade, mas este caso justifica: foi no Corte Inglês. S. Miguel também tem uma grande produção de queijo, mas incaracterísticos. Na minha infância, havia o Água Retorta, para mim superior ao S. Jorge, mas creio que desapareceu, tanto quanto me dizem as tentativas frustradas de o comprar lá. De resto, fazia-se um bom Cheddar e, sobretudo, o excelente Terra Nostra, de tipo flamengo. Estão a começar a produzir outros queijos, mas não me convencem.

Passo às minhas preferências. Tenho sempre em casa alguma variedade de queijos. A minha tábua de queijos, indispensável para um almoço de amigos, é mais rica do que a de muitos restaurantes de primeira. É composta por: um queijo de ovelha, de pasta mole (Serra, Azeitão – o meu preferido – ou Serpa) ou dura (Nisa, Castelo Branco ou Évora, por exemplo); um queijo de cabra, seja um “chèvre” francês, se possível um “pyramide”, ou seja um português, que já temos de qualidade muito aceitável; um queijo de vaca de pasta mole, como um Camembert, um cacciacavalo italiano ou um bom gouda holandês (mas não o Brie, que só uso para sandes ou saladas); um queijo de vaca de sabor forte, como um Roquefort ou um Gorgonzola; e um queijo de vaca de pasta dura mas mais suave, com primado para o Gruyère, mas também um S. Jorge, um Pirinéus, um manchego ou um Cheddar. No dia a dia, tenho um queijo de cada tipo e vou variando.

Uma nota sobre o meu "ponto certo" dos queijos. Roquefort e S. Jorge, quando começam a lascar. Gruyère, quando se começa a ver uma película fina de sal à superfície. Camembert, quando o dedo enterra e se começa a sentir um ligeiro cheiro a peúga muito usada!

Finalmente, uma sugestão já clássica mas esquecida entre nós. Num bom almoço (normalmente não sirvo queijo ao jantar, mas isto não é regra absoluta), acompanhe o queijo com um Porto. Os nossos bons restaurantes bem o podiam recomendar. Para saudade minha, foi preciso jantar há anos num modesto mas muito bom restaurante em Utreque para ver que a ementa incluía tábua de queijos com vinho do Porto. Era como se fazia na minha casa no almoço de domingo, pontificado pelo meu avô, grande apreciador de vinho do Porto.