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março 07, 2007

Cozinha de autor

Já aqui tenho manifestado reservas sobre a escrita amadora ao estilo de "cozinha de autor". Isto vale também para mim, porque, se a faço, é com um rigor de experiência técnica que não é compatível com a escrita de blogue, e, por isto, avisei logo no cabeçalho que não publicaria receitas. Vale também para a publicação nos jornais de receitas de chefes conceituados.

Começa porque nunca vi publicada uma receita que depois vá encontrar na ementa do respectivo restaurante. Pudera, negócio é negócio. Depois porque, em muitos casos, a grande cozinha de autor não é coisa de amador, começa logo por exigir equipamento que o amador não possui. Uma receita de Bertílio Gomes, no Expresso de 24.2.2007, é um bom exemplo (à margem, não é receita que me atraia).
Camarão tigre em crosta de batata com frutas e azeite de baunilha

8 camarões tigre grandes; 4 batatas grandes agrião; 1 ramo de manjericão; 1 di de azeite virgem extra; 1 vagem de baunilha; 1 limão; 100 g manga; 100 g papaia; 100 g de abacate; 100 g de abacaxi; óleo de girassol; ervas aromáticas (cerefólio, manjericão e cebolinho).

Descascar os camarões tigre, deixando só o rabo. Tirar a tripa e temperar de sal, pimenta e manjericão. Cortar a batata em tiras finas e compridas. Com a ajuda de um laminador chinês, enrolar os camarões com a batata e fritar em óleo quente. Escorrer e colocar sobre um papel absorvente. Cortar bolas das frutas com a ajuda de uma colher parisiense. Cortar a vagem de baunilha ao meio, retirar as sementes e juntar ao azeite. Amornar o azeite até aos 50°. Deixar em infusão pelo menos uma hora. Depois, juntar o sumo de limão e mexer bem para que fique emulcionado. Empratar dois camarões por pessoa, com as bolas de frutas. Regar com azeite de baunilha e as ervas aromáticas.
Batata agrião, sabem o que é? Confesso humildemente que eu não. Conheço as variedades oficiais portuguesas, Agria, Crosty, Hermes e o seu bom uso, assim como, de nome, algumas variedades estrangeiras: Apolo, Fontenay, Hollande, Roseval, Intje, etc., mas nunca as usei e nem me arrisco ao snobismo de as indicar numa minha receita. Agora batata agrião é que é coisa que desconhecia, confesso.

Notem as ervas: cerefólio, manjericão e cebolinho. Elementares, uso-as muito, mas porque as tenho no canto de horta do meu jardim, juntamente com salva, hortelã, estragão, tomilho, alecrim, manjerona, poejo e, obviamente, salsa e coentros. Dispenso os orégãos porque acho que temperam bem mesmo secos, como os compro. Conseguem arranjá-las facilmente, frescas, no supermercado? Ou mesmo na praça?

Laminador chinês? Será o passador chinês? Colher parisiense? Sabem o que é? E até o banal termómetro, quem é que o usa e, mais importante, sabe usar?

Mais uma vez, em conclusão, e lembrando o princípio de Peter: há tão boa cozinha tecnicamente acessível mas de grande qualidade e bom gosto gastronómico a ser feita por um amador exigente! O meu conselho é que se esmerem nela, deixando a "grande criação" a quem tem génio criador e, principalmente, enorme domínio técnico e tempo para muita investigação, muita asneira atrás de asneira, até sair a obra prima. Essa da cozinha de autor que sai logo bem à primeira, a merecer divulgação imediata, dá-me vontade de rir. A mim, se me sai bem à terceira vez, e depois de muitas críticas e sugestões de amigos sabedores minhas cobaias de prova, já fico satisfeito.

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