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março 17, 2007

Biblioteca básica


Já há tempos que não escrevia sobre livros, o que atrasou a expressão do meu carinho muito especial por este, "O Livro de Mestre João Ribeiro", uma compilação de José Labaredas e de José Quitério (Assírio e Alvim, 1996, ISBN 972-37-0406-4). É um livro fascinante, que começa pela biografia do mestre e que se prolonga pela listagem das suas melhores receitas, sem esquecer a evocação de Maria de Lourdes Modesto, a transbordar de ternura.

Não há decerto gastrónomo que se preze que não saiba que João Ribeiro, o mestre, chefe de cozinha do Hotel Aviz, foi certamente o melhor cozinheiro português da época clássica, quase até ao fim do século XX. Talvez desconheçam é uma história reproduzida no livro e que eu, gulbenkiano, sempre ouvi contar. A ele se deve, em parte, a existência da Fundação Gulbenkian. O milionário impôs três condições para aceitar o convite de Marcello Mathias, embaixador em Vichy, para se instalar em Portugal: um grande advogado, um grande médico, um grande cozinheiro. Teve-os: Azeredo Perdigão, Fernando da Fonseca, João Ribeiro. Qual deles mais importante do que o outro?

O livro está cheio de coisas deliciosas. Cito só duas, espertezas de camponês beirão, que ele era, mas que, dando-me a mim muito gozo, horrorizarão muitos puristas. Um dia, foi contratado para um almoço de perus, no Alentejo. Era verão muito quente, a viagem longa e, ao chegar, notou um ligeiro aroma desagradável nos bichos. Mas há lá bom chefe que não se desenrasque. Pediu em segredo um bom perfume parisiense da dona da casa, borrifou os perus e foi um sucesso. Deve é ter sido com a maior técnica de uso de perfume!

Outra, célebre, foi o banquete oficial à rainha Isabel II. O forreta do Salazar apertou os cordões à bolsa mas mestre João Ribeiro, apesar do seu rigor culinário, aceitou que quem não tem cão caça com gato e parece que fez grande sucesso com uma galinha à convento de Alcântara!

Muito mais importante, no livro, são as receitas. Surpreendem, pela sua variedade, pela originalidade de algumas das fontes, até por alguns pormenores pouco frequentes na cozinha clássica de hotel, desse tempo. Também a constatação de que ele sabia bem o que era dar um toque genuinamente português a alta cozinha, coisa que muitos só agora parecem ter descoberto. Recomendo duas receitas, emblemáticas, o "bacalhau à Conde da Guarda" e a sua versão pessoal, premiada, de "tripas à moda de Caen" (quem diria, tripas num hotel de luxo!)

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