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março 16, 2007

Alcatra? (II)

Volto à alcatra "aldrabada", mas entre aspas, como vêem, porque não sou um fanático dos costumes. Neste caso, é o acompanhamento. Qualquer restaurante açoriano, lá e cá (cá só um a merecer o título!) serve a alcatra acompanhada com arroz ou com batatas. A minha avó torce-se no túmulo. Alcatra come-se sem mais nada, só com pão a embeber no molho.

Isto é uma característica açoriana que me atrevo a considerar única na cozinha tradicional portuguesa. Comer só o prato principal, sem acompanhamentos, abrange coisas tão diferentes como a alcatra, o polvo, os torresmos de molho de fígado, a linguiça e a morcela fritas, as favas de taberna, até cozinha aristocrática como a minha "galinha de molho de perdiz" (todas estas receitas estão no meu livro "O gosto de bem comer"). É assim que como em casa, mas, quando recebo amigos, respeito o seu hábito tradicional de um acompanhamento. Simplesmente, esmero-me.

Os turistas, nos Açores, exigem acompanhamento e os restaurantes correspondem, mas erradamente. No polvo, como é guisado, juntam batatas também a guisar na mistura, o que enfarinha o excelente molho. Batatas sim, mas à parte, cozidas e ligeiramente alouradas em óleo, com um toque de malagueta. O "molho de fígado" acompanho simplesmente com inhames cozidos, de preferência inhames pequenos, aquilo a que na minha terra se chama minhotos, e, quando tenho, com uns quartos de limão galego confitados em banha (que horror, dirão os puristas de avental...). Linguiça e morcela, com ovo estrelado e batata frita (o ananás é uma parvoíce, de quem transplantou para os Açores a ideia não bem conseguida do espada com banana, dos restaurantes banais madeirenses). As favas, apenas com um montinho de alface ripada, ao lado, sem qualquer tempero, que as favas já têm bastante.

É que, como em tantos pratos da cozinha tradicional, por toda a Europa, principalmente latina, o apuro entre ingrediente e molho não permite mistura de coisas estranhas durante a confecção, principalmente farináceas. É o caso, por exemplo, no continente, de uma chanfana, de uns rojões, de um frango na púcara. Acompanhamentos sim, mas à parte.

E a alcatra? A meu ver, é diferente, devido à subtileza do sabor, que se perde facilmente com um acompanhamento, batata ou arroz, como hoje é vulgar oferecer. De acompanhamento, nada ou quase nada. É verdade que tenho uma proposta de alta cozinha, mas desculpem não a divulgar. Por agora, apenas uma sugestão simples. Cortar fatias de pão rústico, sem côdea, com cerca de 2 cm de espessura. Tostar moderadamente, de preferência no forno só com o grelhador ligado e sem qualquer gordura, quando muito ligeiramente barradas com manteiga. Colocar em cada prato e, ao servir, escolher pedaços do toucinho de fumo da alcatra e pedaços da cebola para cobrir bem a tosta. Ao lado, a carne. Sobre tudo, o molho, a embeber muito bem a tosta e a sobrar.

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