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fevereiro 25, 2007

Contradições

Eu acho louvável que um amador cultive o gosto de, tanto quanto puder (e souber), ser um autor. no entanto, para mim, isso tem de ser coisa bem séria, assente em grande técnica, bom gosto e bom senso. Não há arte moderna e de vanguarda sem o domínio do classicismo. Depois, é muito diferente a situação do profissional, tipicamente num restaurante, e a do amador, tipicamente a conviver com amigos num bom jantar (a não ser quando é um solitário a gozar bem a sua vida, com requinte, situação todavia excepcional). Vou usar isto para alguns comentários sobre um componente da criatividade, a apresentação. Ela é importantíssima, muitas vezes extremamente surpreendente, num restaurante estrelado, a abrir logo as papilas (mas também, em muitos outros casos, é o que eu chamo de apresentação piramidal, a monte, que desmanchamos logo à primeira garfada).

Num restaurante, servem-me o prato individual. Vejo na net propostas amadoras com apresentação bonita, mas que exige, da mesma forma, que ela seja feita na cozinha. Isto obriga – e quantas vezes já o vi – a que o cozinheiro, admitamos que o dono da casa, num simples jantar de dois casais, se passeie quatro vezes entre a sala de jantar e a cozinha, a trazer pratos, um a um, como se fosse criado de mesa, só faltando o avental (ainda hei-de ver). Ainda por cima, exige um grande controlo da temperatura na hora dos vários componentes, o que nem sempre é fácil. Já comi coisas bonitas, complicadas, com variados ingredientes, em que o "chefe" se esqueceu de aquecer um. Nestas alturas, apetece-me o clássico "posso ir ajudar?", que faz descambar tudo em acampamento de escuteiros.

Claro que nunca faço isto aos meus amigos. Tenho de ser eu ou a minha mulher a trazer a refeição para a mesa, mas com o mínimo de tempo a deixar sozinhos os meus convidados, delicadeza elementar. Uma única deslocação à cozinha, ir e vir, é o ideal. Por tudo isto, tenho o maior cuidado com a clássica apresentação em travessa, quando muito com um outro recipiente que possa trazer ao mesmo tempo ou uma molheira. E que agradável é cada um sentir que se pode servir como quiser. Mas claro que uma apresentação em travessa tem regras diferentes da apresentação no prato.

Estão a ver que isto de modas tem muito que se lhe diga? Querem defender-se? Deixem o requinte para os grandes criadores e vão apreciá-lo aos seus restaurantes. Na prática, atendam a uma regra bem gerida, aquilo que já escrevi, em relação ao meu livro:
"Há ainda espaço para a minha situação, de um amador que se gaba de ser criativo, de cultivar a boa técnica culinária, de ser exigente com a qualidade e de ter bom gosto gastronómico (os quatro pés obrigatórios do banco em que se senta qualquer bom cozinheiro). Mas, [em relação ao livro] se cumpridas várias condições para um livro de cozinha diferente [ou, escrevo hoje, de uma prática diferente]: um livro que eduque, gastronomicamente; um livro que dê o exemplo de que, mesmo na cozinha do dia a dia, se pode ter bom gosto e criatividade; um livro que, não pretendendo ser um manual de uma escola profissional de cozinha, forneça as bases mínimas de uma boa técnica culinária; um livro adequado à vida prática de hoje, da maioria das pessoas, que podem gostar – e devem – de fazer um bom jantar de amigos, mas hoje inevitavelmente à custa do tão necessário relaxamento e repouso e, por isto, com uma cozinha de compromisso entre a simplicidade, a originalidade e a qualidade."
É isto que quero ter presente neste blogue.

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