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fevereiro 11, 2007

Caldos (I)

Uma leitora, num comentário, desafiou-me a escrever sobre caldos. Coisa muito simples: um litro de água a ferver, juntar dois cubos, mexer um pouco até dissolver :-) A sério, tem muito que se lhe diga e até nem é técnica nada difícil. Também depende do fim. Se é apenas para fazer um aveludado para um molho, para juntar um pouco à massa dos croquetes ou para ensopar o pão de um recheio, duvido que haja alguém que distinga que o caldo não foi feito com todos os esmeros. Se é para uma geleia ou para um consomê, ou é com todas as regras ou é a morte do artista.

Não posso deixar de dividir esta nota em quatro secções bem distintas, dos diferentes caldos (também chamados de fundos, na linguagem culinária tradicional): carne, aves, peixe ("fumet") e mariscos (este último não propriamente tão básico como os primeiros). Há também caldos mistos, como o chamado fundo branco. E já nem falo no caldo de caça, que adaptarão a partir do de aves, mas que já é diferente se for de caça de pelo. Se tiver vagar falarei sobre isto, embora sem grande experiência pessoal de caldos de caça.

Caldo de carne
500 g de carne de vaca de 3ª (cachaço, por exemplo), 1 osso com tutano (se o talhante for amigo, que parta bem o osso aos pedaços), 1 chispe, 150 de toucinho. 1 cebola picada com 4 cravinhos, 3 dentes de alho esmagados mas não picados, 1 cenoura grande às fatias, 1 talo grande de aipo, 1 folha de louro, 2 dl de vinho branco, 1 golo de aguardente, sal grosso marinho (moderado, corrigir no fim), pimenta preta a gosto, 1 raminho de salsa, tomilho, cerefólio, cebolinho e estragão (quem nãs tem separadamente e, de preferência frescas, pode usar a mistura já preparada chamada de "eravs finas"). Às vezes, não obrigatoriamente, também acrescento cogumelos, se os tenho em casa. Nota importante: água para cozinha, cá em casa, nunca da torneira, sempre de nascente!
Há duas possibilidades, o caldo escuro e o claro. No primeiro caso, as carnes são ligeiramente alouradas previamente no forno, a 180º, sem gordura. O caldo fica com sabor mais acentuado, o que vai muito bem com alguns molhos (todos os que se preparam com base em espanhola ou em demi-glace – está tudo bem explicado no meu livro, comprem que eu preciso dos direitos de autor!) mas não com preparações a enriquecer com outros aromas (ervas, Porto, etc.).

Começa-se por cozer só as carnes, com água a cobrir, durante 20 minutos. Escuma-se bem e junta-se os legumes e os temperos, acrescentando água. Coze mais 2 horas, a lume no mínimo, escumando de vez em quando.

Depois de remover todos os sólidos e escumar bem, o caldo é coado num passador com um pano ou papel de cozinha. Deixa-se arrefecer bem até subir a gordura à superfície. O melhor é deixar no frigorífico e, no dia seguinte, cuidadosamente, com uma colher, remover a camada de gordura, solidificada.

Seja qual for a utilização (a não ser os casos rústicos que exemplifiquei), é necessário clarificar, isto é, tornar o caldo transparente, porque também se come com os olhos. A clarificação também pode ser feita, talvez seja mais prático, antes do desengorduramento, mas não me sai tão perfeita. Volta-se a levar o caldo desengordurado a ferver com 2 claras de ovo bem misturadas, mas não batidas, derramadas aos poucos no caldo, e com as respectivas cascas bem esmagadas. Leva-se a ferver, mexendo bem. Baixa-se o lume ao mínimo, tapa-se e deixa-se fervilhar durante pelo menos meia hora. No fim, a mesma operação de coar por pano ou papel. Note-se que a clarificação retira algum sabor aos temperos. Deve-se corrigir o tempero, no fim. Por isto, em alternativa, há a técnica clássica de incluir na clarificação mais um pouco de carne magra e legumes picados, para além das claras. Normalmente, não o faço.

Com tudo isto, ficou por descrever outro caldo de carne, a geleia. Muito simples, acrescentar às carnes, sem ir antes a alourar no forno, uma boa mão de vaca. No dia seguinte, arrefecido, não vão encontrar nenhum caldo, mas sim uma gelatina. À superfície, provavelmente terá umas películas feias. Saem bem com uma colher ou uma faca, mas a limpeza final deve ser com um pano molhado em água quente. Que fazer com esta geleia? Aceito palpites.

Já chega de caldos, por hoje. Voltarei, com os outros.

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