" />

janeiro 21, 2007

Porco preto: um mito?

Já enjoa ler "porco preto", plumas, secretos, lombinhos, nas ementas de restaurantes vulgares, que, ainda por cima, não o sabem confeccionar. Gosto dos enchidos de porco de montado e do presunto "pata negra" (ah, "El Museo del Jamón", Carrera de San Jerónimo, ali à mão direita da Puerta del Sol, com um manchego e um copo de Rioja!). No entanto, não sou grande apreciador da carne do porco preto e, mesmo quanto ao presunto, não o troco por um de Parma.

Além dissso, criou-se a ideia de que porco alentejano é porco preto. Um amigo eborense cuja família sempre criou porco para a matança anual diz-me que sempre foi porco branco, grande e gordo. O porco preto é vendido para fins industriais.

Toda a gente sabe o que é o segredo do porco preto, o ibérico, o pata negra, como dizem os espanhóis. Vida em liberdade, no sistema ecológico do montado, alimentação predominantemente de bolota.

No norte, melhor dito em Trás-os-Montes, melhor dito ainda à volta de Montalegre ou Vinhais, impera o bísaro. Também a alimentação parece ser fundamental para a qualidade dos seus produtos, presunto e enchidos. Dizem os entendidos que essa alimentação se deve basear na castanha.

Para um açoriano, tudo isto é muito estreito, alimentações muito refinadas, porquinhos de elite. até imagino os colectores tradicionais franceses de trufas a permitir aos porcos cheiradores que se alimentem delas. Os enchidos açorianos são reconhecidamente de grande qualidade? E de que é que lá se alimentam tradicionalmente os porcos? Das lavagens, o mais fisiológico possível, porque o porco, como o homem, é omnívoro.

Quando eu era miúdo, havia um sistema de racionalização de desperdícios muito inteligente. Cada casa tinha uma grande lata de lavagens para onde iam todos os restos da cozinha: cascas de legumes, partes feias das batatas, talos grossos das couves, a rama da cebola, o caroço das caiotas, o pão duro, os "nervos" e o sebo da carne, a espinha do peixe, o leite já um pouco azedado, a gordura de fritar que já não se aproveitava, tudo o que ficava nos pratos depois das refeições. Eram as lavagens.

No dia seguinte, de manhãzinha, passava o homem da carroça fedorenta. "Quim tén lavages?" A câmara poupava com a recolha do lixo, as pessoas livravam-se dele, o homem das lavagens fazia o seu pobre negócio, os porcos dos seus clientes alimentavam-se segundo as melhores regras da sua natureza, o ciclo fechava-se com a compra de excelentes enchidos produzidos pelos lavradores abastecidos pelos fornecedores das lavagens. A economia pode ser coisa bem simples.

2 Comentários:

Blogger Alda M. Maia escreveu...

No Minho, também havia o hábito de deitar todos os desperdícios da cozinha para um cântaro, inclusive a água de lavar os pratos e travessas, a "lavadura", destinada aos porcos. Quem os não criava, guardava-a para um vizinho.
Em todo o País, tudo se aproveitava, como vê!
Divertiu-me o texto sobre o seu gatinho.
Alda Maia

22/1/07 23:33  
Blogger maloud escreveu...

Não acredite que o bísaro só come castanhas. A minha família paterna é dessas bandas e os porcos sempre comeram "lavadura". O que se passava é que sendo a castanha abundante, cerca de um mês antes de o matarem, o enchiam das castanhas pequeninas que ninguém queria comer.
É dos presuntos e dos enchidos de há mais de 40 anos, mandados pela minha avó para o Porto, que eu tenho saudades.

30/1/07 00:11  

Enviar um comentário

<< Home