Férias em S. Miguel (V)
O cozido das Furnas
Hoje é raro o turista que não vá às Furnas e que não coma o cozido nas caldeiras. É um ícone merecido. Não é coisa muito antiga, data dos anos 30. Na época, era bem complicado: preparar de madrugada a panela, sem água, ir às Furnas colocá-la, bem fechada e dentro de um saco de serapilheira, numa cova aberta de propósito, voltar seis horas depois para a almoçarada, num tempo em que os quarenta quilómetros da cidade às Furnas eram um tormento de má estrada. Hoje, são os restaurantes que tratam disto, com destaque para o Miroma. E já há, junto às caldeiras da lagoa, na zona de terra bem quente, poços construídos para o efeito.
Este prato inesquecível tem alguma coisa de mito, o do sabor vulcânico. Bem bom que não tem. Já imaginaram o que é comer alguma coisa com sabor a enxofre, como são ovos podres? O segredo da excelência deste cozido está só em duas coisas. Primeiro, a qualidade da carne e dos enchidos, com o sabor inconfundível da linguiça e da morcela de S. Miguel. Depois, a cozedura sem água, ao vapor. É por isto que o faço muito bem em casa, embora com protestos da minha mulher que acha que não vale a pena o preço das longas horas de cozedura. Experimentem, principalmente se um amigo vos trouxer morcela e linguiça de S. Miguel
É claro que não apresentava uma receita tão fora do vulgar sem a ter experimentado e garanto que funciona, se seguir bem as indicações. Julgo que o ponto critico é a temperatura do forno. Hoje, os fornos eléctricos têm regulação de temperatura, mas os de gás muitas vezes não têm. Regule o gás para temperatura média, de forma a que o forno não fique muito quente, mas esteja sempre com muito vapor. Se usa óculos, verá isto facilmente ao abrir a porta! Podem perguntar-me se vale a pena todo este trabalho e o consumo de energia durante tantas horas para um simples cozido. Como sou um adepto incondicional do cozido (isso que se chama de português, mas que é provavelmente a mais antiga culinária europeia – cozido, olla podrida, pot-au-feu, etc.), acho que nunca há um “simples” cozido e que vale a pena melhorá-lo. Para meu gosto, a concentração de sabores deste cozido é memorável, se os produtos forem de boa qualidade.
Cozido das Furnas feito em casa
Para 6 pessoas. Colocar numa panela, com um pequeno fundo de água com um pouco de malagueta (cá, pimenta da Caiena), por ordem (pormenor importante!) 500 g de carne de vaca de cozer, 500 g de perna de porco, 250 g de toucinho, 6 batatas, 4 batatas doces médias (essencial para dar o estilo micaelense!), duas cenouras, meio repolho. Sobre isto, meio frango, 2 chouriços, 2 morcelas. com couve, em duas camadas de folhas inteiras, forra-se toda a panela, cobrindo bem os ingredientes. Temperar com sal e pimenta preta, entre cada camada.
Tapar e cozer no forno em banho-maria a 150º, durante várias horas ou com um pequeno tacho com água a ferver, que se vai acrescentando se necessário. Ir vigiando o banho-maria para ter sempre água e o forno estar com bastante vapor. Depende muito do forno, mas há que contar com cerca de 6-7 horas. No fim, a couve que cobre o cozido deve estar muito seca e tostada e rejeita-se. O cozido deve ficar muito tenro e com um reduzido fundo de caldo, que destila das carnes. Com parte deste caldo coado – cuidado, que é muito forte – e mais água (no total, 2 vezes a quantidade de arroz), cozer arroz carolino para acompanhar o cozido.
Como se vê, este cozido é menos variado em ingredientes do que algumas variantes regionais continentais. É assim o cozido açoriano. Recentemente, alguns restaurantes das Furnas estão a alargar a sua composição (chispe, entremeada, etc.), contra a tradição, mas não vejo grande mal nisso, porque a cozinha está sempre em evolução. Para os que, de acordo com os variados hábitos regionais continentais, o quiserem variar, deixo uns palpites. Creio que enchidos muito moles, como o chouriço de sangue (que entra também no cozido tradicional açoriano) ou a farinheira, se vão desfazer por completo ao fim desta cozedura. Também me parece que grão ou feijão ficarão em papa. E, embora não seja de tradição, acho que o inhame lhe dará um tom regional genuíno.
Hoje é raro o turista que não vá às Furnas e que não coma o cozido nas caldeiras. É um ícone merecido. Não é coisa muito antiga, data dos anos 30. Na época, era bem complicado: preparar de madrugada a panela, sem água, ir às Furnas colocá-la, bem fechada e dentro de um saco de serapilheira, numa cova aberta de propósito, voltar seis horas depois para a almoçarada, num tempo em que os quarenta quilómetros da cidade às Furnas eram um tormento de má estrada. Hoje, são os restaurantes que tratam disto, com destaque para o Miroma. E já há, junto às caldeiras da lagoa, na zona de terra bem quente, poços construídos para o efeito.
Este prato inesquecível tem alguma coisa de mito, o do sabor vulcânico. Bem bom que não tem. Já imaginaram o que é comer alguma coisa com sabor a enxofre, como são ovos podres? O segredo da excelência deste cozido está só em duas coisas. Primeiro, a qualidade da carne e dos enchidos, com o sabor inconfundível da linguiça e da morcela de S. Miguel. Depois, a cozedura sem água, ao vapor. É por isto que o faço muito bem em casa, embora com protestos da minha mulher que acha que não vale a pena o preço das longas horas de cozedura. Experimentem, principalmente se um amigo vos trouxer morcela e linguiça de S. Miguel
É claro que não apresentava uma receita tão fora do vulgar sem a ter experimentado e garanto que funciona, se seguir bem as indicações. Julgo que o ponto critico é a temperatura do forno. Hoje, os fornos eléctricos têm regulação de temperatura, mas os de gás muitas vezes não têm. Regule o gás para temperatura média, de forma a que o forno não fique muito quente, mas esteja sempre com muito vapor. Se usa óculos, verá isto facilmente ao abrir a porta! Podem perguntar-me se vale a pena todo este trabalho e o consumo de energia durante tantas horas para um simples cozido. Como sou um adepto incondicional do cozido (isso que se chama de português, mas que é provavelmente a mais antiga culinária europeia – cozido, olla podrida, pot-au-feu, etc.), acho que nunca há um “simples” cozido e que vale a pena melhorá-lo. Para meu gosto, a concentração de sabores deste cozido é memorável, se os produtos forem de boa qualidade.
Cozido das Furnas feito em casa
Para 6 pessoas. Colocar numa panela, com um pequeno fundo de água com um pouco de malagueta (cá, pimenta da Caiena), por ordem (pormenor importante!) 500 g de carne de vaca de cozer, 500 g de perna de porco, 250 g de toucinho, 6 batatas, 4 batatas doces médias (essencial para dar o estilo micaelense!), duas cenouras, meio repolho. Sobre isto, meio frango, 2 chouriços, 2 morcelas. com couve, em duas camadas de folhas inteiras, forra-se toda a panela, cobrindo bem os ingredientes. Temperar com sal e pimenta preta, entre cada camada.
Tapar e cozer no forno em banho-maria a 150º, durante várias horas ou com um pequeno tacho com água a ferver, que se vai acrescentando se necessário. Ir vigiando o banho-maria para ter sempre água e o forno estar com bastante vapor. Depende muito do forno, mas há que contar com cerca de 6-7 horas. No fim, a couve que cobre o cozido deve estar muito seca e tostada e rejeita-se. O cozido deve ficar muito tenro e com um reduzido fundo de caldo, que destila das carnes. Com parte deste caldo coado – cuidado, que é muito forte – e mais água (no total, 2 vezes a quantidade de arroz), cozer arroz carolino para acompanhar o cozido.
Como se vê, este cozido é menos variado em ingredientes do que algumas variantes regionais continentais. É assim o cozido açoriano. Recentemente, alguns restaurantes das Furnas estão a alargar a sua composição (chispe, entremeada, etc.), contra a tradição, mas não vejo grande mal nisso, porque a cozinha está sempre em evolução. Para os que, de acordo com os variados hábitos regionais continentais, o quiserem variar, deixo uns palpites. Creio que enchidos muito moles, como o chouriço de sangue (que entra também no cozido tradicional açoriano) ou a farinheira, se vão desfazer por completo ao fim desta cozedura. Também me parece que grão ou feijão ficarão em papa. E, embora não seja de tradição, acho que o inhame lhe dará um tom regional genuíno.
1 Comentários:
Só queria deixar o meu muito obrigado por ter publicado neste blog o "Cozido das Furnas feito em casa" pois vai ajudar-me imenso no meu projecto - energia geotérmica - onde, uma das tarefas será cozinhar alimentos através da energia geotérmica, como exemplo, um "mini-cozido das furnas".
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