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fevereiro 26, 2006

Um passeio a Castelo de Vide

Infelizmente, tive de interromper umas miniférias de carnaval em Castelo de Vide, um dos meus destinos favoritos desta época. Mas um dia chegou para algumas notas gastronómicas.

1. Almoçámos numa área de serviço na A6. Cozinha inconcebível e nem sequer barata, ementa banalíssima. Compreendo que não possam ter mais do que dois pratos para escolha, mas não lasanha e filetes. Os restaurantes de estrada são logo uma primeira impressão para os turistas e aquela autoestrada é hoje a porta de entrada para os espanhóis que nos visitam. Senhores, em pleno Alentejo, onde tão bem se come, é isto o que se apresenta?! É por isto que conheço pessoas que, indo para o Algarve, fazem um desvio à A2 para ir matar saudades do Canal Caveira.

2. Jantar num restaurante que conheço bem, em Castelo de Vide, o D. Pedro V. Sempre lá comi muito bem. É pena que a ementa esteja mudada, com menor amostra da cozinha tradicional, substituída pelos já enjoativos grelhados das várias espécies de carne de porco preto. Ao menos, nesta secção, um bom prato de porco preto estufado com setas (para os que não conhecem, um cogumelo selvagem - ou já será cultivado?).

Confirmei uma coisa que já sabia, que mesmo os mais emblemáticos pratos alentejanos podem variar. Garantiram-me que o ensopado de borrego era genuíno mas, ao contrário do da zona de Évora, estava abundantemente temperado com coentros e faltava-lhe o cravinho, de que gosto muito no ensopado.

Naquela zona, tinha de beber Portalegre. À falta de Tapada de Chaves, o Conventual tinto, que já não provava há bastante tempo, ainda tem uma boa relação qualidade-preço. Surpresa foi a sobremesa, toda de doces alentejanos, mas com forte recomendação na ementa e dada pelo empregado para acompanhamento com Porto, de que havia uma boa escolha, embora com um vintage recente a 4,75 euros.

3. Ontem, o almoço foi menos conseguido, num restaurante mais modesto, o Alentejano. Estranhamente, ao meio dia e meia e quase sem clientes, disseram-me que "já" não havia pezinhos de coentrada, isto dez minutos depois do pedido aceite. Ou nunca houve e deviam ter dito logo, ou então alguma coisa correu mal na cozinha. Em substituição, as migas de batata estavam muito boas mas estragadas por carne frita quase até ficar sola. Desta vez, fui para o Terras de Baco. Já houve tempo em que o bebia frequentemente, mas agora, depois do Conventual, sabe a muito pouco.

4. Os planos estragados eram para jantar no A Castanha, o restaurante do hotel em que fiquei, o Garcia de Orta. Da última vez que lá tinha ido, era um restaurante muito recomendável, aliando boa cozinha regional a outras ofertas de ementa imaginativas e de boa confecção. Espero que continue a sê-lo. A propósito de hotel, nunca mais fiquei no carnaval no outro hotel de Castelo de Vide, onde não se consegue dormir com o barulho infernal das festas.

5. Tinham-me dito que, a poucos quilómetros de caminho por Espanha há vários restaurantes de estrada de muito boa qualidade. Ficarão para a próxima, mas aqui fica a informação, sem garantias.

fevereiro 19, 2006

Vinhos monocasta ou multicasta?

Começam a ser frequentes os vinhos monocasta (isto é, feitos só com uvas de uma única casta), de grande qualidade, produzidos por empresas conceituadas, sem esquecer o já velhinho Periquita. A Casa Cadaval tem vinhos monocasta tintos, Cabernet Sauvignon, Trincadeira, Pinot Noir e um branco Fernão Pires. A Herdade do Esporão produz monocasta Syrah, Verdelho (do continente, não confundir com os das ilhas), Bouschet, Aragonês, Trincadeira e Touriga Nacional. E há mais.

Leio com frequência escritos que reflectem algum menosprezo por estes vinhos. O argumento é que só é equilibrado um vinho que conjugue o melhor das características de várias castas. Imagino que o trabalho com várias castas seja o que dá maior prazer ao enólogo, mas também um bom enólogo provavelmente sente o desafio de ter de lidar com as características positivas e negativas de cada casta.

Creio que o monocasta também defende o consumidor menos conhecedor. Se provou um Cabernet e gostou, tem boa probabilidade de dar o seu dinheiro por bem empregado ao comprar qualquer Cabernet. Apostar num multicasta, ao preço a que estão os bons, pode ser uma lotaria.

Ontem, tive um óptimo jantar com amigos, em Guadalupe, perto de Évora. O nosso anfitrião serviu dois tintos, ambos Esporão, de 2003: um Syrah e um Vinha da Defesa. A opinião foi unânime: todos preferimos largamente o Syrah.

fevereiro 12, 2006

Uma cozinha bem fornecida

Não recordo nenhuma receita minha que use condimentos que não sejam obrigatórios numa boa cozinha. A minha lista inclui: pimenta preta e branca, separadas (no dia a dia, uso no meu moinho de pimenta metade de grãos de pimenta preta e metade de pimenta branca), pimenta da Jamaica, cominhos, cravinho, noz moscada, canela, gengibre, açafrão, erva doce, massa de pimentão, chili, piripiri, molhos de soja e Worcestershire (molho inglês) e polpa de tomate (mas só para certos usos, não para substituir por rotina o tomate fresco).

Também duas coisas essenciais para a cozinha açoriana, malagueta e açaflor. Hei-de falar sdobre elas, porque podem ser subsituídas, embora com grande perda de qualidade. Mas quem não tem cão caça com gato!

Outras coisas que tenho sempre no frigorífico e de que faço bom uso na minha cozinha, são bacon, natas e cogumelos. Felizmente, quanto a estes, já não tenho de me contentar com os vulgares champinhões ou cogumelos de Paris. Claro que os substituo por míscaros, chanterelas, cilarcas ou lactárias, que normalmente só arranjo quando vou ao Alentejo. Mas hoje, para quem só tem acesso aos supermercados, lá têm os pleurotos ou os “shitake” japoneses, que não ficam nada mal.

O mesmo quanto a ervas. Tenho no jardim uma pequena secção de ervas aromáticas variadas. Nem toda a gente pode ter isto. Pelo menos, deve-se ter sempre no frigorífico as três essenciais, frescas: salsa, coentros e hortelã, além do louro e dos orégãos, que se conservam fora do frigorífico por longo tempo. Na falta de ervas frescas, usem ao menos as ervas secas e picadas que se vendem em qualquer supermercado, incluindo obrigatoriamente tomilho, estragão, cerefólio, manjericão e cebolinho. Não confundir o manjericão (ou basílico), a erva mais emblemática da cozinha italiana, com a manjerona, que é próxima dos nossos orégãos. A salva é um excelente tempero, mas talvez mais difícil de obter. Outras ervas que uso com frequência são o alecrim (por exemplo, com caça) e a segurelha, muito usada na Madeira mas difícil de encontrar cá. Há também nos supermercados uma mistura chamada de ervas da Provença que pode ser utilizada em lugar da mistura de outras ervas ou do chamado ramo de cheiros (“bouquet garni”). Obviamente que todas estas sugestões são para a cozinha simplificada “à la minute”, não para uma refeição de qualidade.

Também uma nota sobre qualidade dos ingredientes. Nos restaurantes, normalmente sou exigente, em termos de “value for money”. Mas não sugiro purismos, principalmente para a cozinha de todos os dias. Se não puderem ir todos os dias comprar frescos, não há grande mal em usar congelados (claro que não num dia de festa). Mas aconselho que usem só de muito boa qualidade pelo menos três produtos: o azeite, da menor acidez possível mas também sem ficar insípido (excepto para a fritura banal), o vinagre, genuinamente de vinho (prefiro o vinagre de tinto) e o vinho, branco ou tinto. É certo que os vinhos estão caros e não pretendo que faça um “coq au vin” com um Barca Velha, mas usar na cozinha um vinho intragável ao beber pode arruinar qualquer prato. E, quanto ao vinagre, para alguns usos, experimente o balsâmico.

Há ainda o caso actual do sal. Qualquer livro de receitas “à la page” indica obrigatoriamente a flor de sal. Se puser na língua uma pitada de sal vulgar e de flor de sal, claro que noto a diferença. Mas ninguém come sal, só por si. No fim do prato, desafio qualquer pessoa a provar duas versões, com um e outro sal e identificar a diferença. Tudo o que é pernóstico me irrita solenemente, com riscos de stress para a minha saúde e, por isto, em todas as receitas, continuo a referir pura e simplesmente sal. Mas admito que abro excepções para a flor de sal: algumas entradas frias, algumas saladas muito suaves, alguns molhos. Mas ainda estou à espera de ver um livro de “bom” cozinheiro com posta à mirandesa ou alcatra à terceirense com flor de sal. Apostam?

Mas é indispensável ainda uma nota sobre o sal. Por profilaxia ou pelo alastramento da hipertensão, muitas e muitas pessoas se habituaram a reduzir drasticamente o sal na sua alimentação. Falo por conhecimento de causa e isto tem grandes consequências na cozinha. Uma pessoa pode tolerar mais ou menos pimenta, mais ou menos ervas. Mas, quando se entra no sal, é como os ex-fumadores, que não toleram o cheiro do tabaco. Para mim, após anos de moderação, sal a mais torna-me um prato intragável. Aconselho um uso muito moderado do sal. No dia a dia, siga os hábitos da família mas, num jantar de amigos, nivele pelo mínimo. Para quem gosta de mais salgado, há o saleiro na mesa.

Nota à margem – andam a vender-nos gato por lebre. No Fugas de ontem do Público, vem uma receita de Hélio Loureiro de santola recheada que até me parece bem. O problema é que, nos ingredientes, vem claramente indicada a marca do vinagre a usar. Isto é, desonestamente, publicidade encapotada. Mas creio que não é caso único de mistura de negócio publicitário e de crónica gastronómica. Há um ano ou dois, Michel publicou um livro em que, para cada receita, indicava a marca de vinho e o ano a usar para a confecção de cada prato!

fevereiro 05, 2006

Crítica?


Habituei-me a ler com apreço as criticas de José Quitério no Expresso mas no melhor pano cai a nódoa. Ontem, elogia rasgadamente um restaurante nortenho escrevendo, entre outras coisas, que tem amesendação impecável.

Fui ver a fotografia e logo ressaltam uns copos incríveis, em estilo Casa dos Bicos, de vidro grosso e de cores fortes. Assim não, José Quitério! Ainda há quem saiba dizer ao crítico que o rei vai nu.